David Lee Roth e um clássico instantâneo do hard rock dos EUA



Em 1985 o Van Halen vivia o auge de sua turbulência interna vivida entre o guitarrista Eddie Van Halen e o vocalista David Lee Roth. As discordâncias iam desde o conteúdo das letras até o direcionamento musical, sem falar no choque de egos. Neste mesmo ano, Roth lançaria um E.P. com covers de canções dos anos 1950 e 1960, chamado “Crazy From The Heat”. Fez muito sucesso com a versão de “California Girls”, dos Beach Boys, e com o medley de “Just A Gigolo/I Ain’t Got Nobody”, tal qual o de Louis Prima. Sucesso o suficiente para levá-lo a deixar o grupo que ajudou a formar e com quem atingira sucesso mundial anos antes.

Se Eddie Van Halen queria apostar numa sonoridade mais acessível, usando e abusando de teclados e sintetizadores (flertando diretamente com o chamado A.O.R.), Dave preferia continuar mesclando o rock tradicional de guitarras com regravações de velhos standards e sucessos antigos de seus artistas favoritos, nos moldes de seu E.P. (e algo que o próprio Van Halen chegou a fazer no controverso “Diver Down”, de 1983). Além disso, com o sucesso de seu recente trabalho solo, Dave vislumbrou a ideia de lançar um filme também chamado “Crazy From The Heat”, projeto que chegou a ser orçado pelos estúdios da CBS, mas depois engavetado.

Disposto a superar sua antiga banda a qualquer custo, o espalhafatoso vocalista recrutou um verdadeiro time dos sonhos para compor seu novo grupo: para bater de frente diretamente com Eddie, chamou aquele que todos apontavam como seu sucessor no trono de melhor do mundo, o prodígio Steve Vai (revelado no grupo de Frank Zappa e com breve passagem pelo Alcatrazz, onde substituíra Yngwie Malmsteen); para o baixo, ninguém menos que Billy Sheehan, tratado pela imprensa especializada como o “Van Halen do contrabaixo”, e cuja ex-banda Talas havia aberto alguns shows para o próprio quarteto californiano (e que já havia sido convidado pelo próprio Eddie para entrar no lugar de Michael Anthony); para a bateria, o então desconhecido, porém virtuoso Gregg Bissonette.



Para produzir a nova empreitada, Dave trouxe o produtor Ted Templeman, que havia sido o responsável por todos os discos do Van Halen até então, bem como seu E.P. solo. Ao ver o resultado final de “5150”, primeiro fruto da parceria de sua ex-banda com Sammy Hagar, a alfinetada final: Roth batiza seu rebento com o sarcástico título de “Eat ‘Em And Smile” – ou seja, “devore-os e sorria”, o que demonstrava o tamanho do desprezo pela nova sonoridade do quarteto e o quanto ele julgava seu trabalho superior.

A primeira faixa lançada, que também foi a de abertura do álbum, já deixava bem claro o quanto ele queria continuar com o rock de guitarras: “Yankee Rose”, concebida como uma homenagem ao centenário da Estátua da Liberdade, trazia em sua introdução Dave literalmente dialogando com a guitarra de Steve Vai, que chegava até a dar gargalhadas. Hard Rock vigoroso e empolgante, tocou exaustivamente na MTV e nas rádios especializadas em rock.

“Shy Boy”, a segunda música do disco, mostrava a moral de Billy Sheehan com seu novo patrão: trata-se de uma regravação de uma composição sua (anteriormente gravada com sua ex-banda, o Talas), numa versão de tirar o fôlego de qualquer um, com seu baixo dobrando e duelando constantemente com a guitarra de Vai, acompanhados da bateria velocista de Bissonette e um refrão daqueles que ficam na cabeça por dias. Ficou tão boa que continuou a fazer parte do repertório do Mr. Big, banda posterior de Sheehan, durante muito tempo.

O próximo tema, “I’m Easy”, passava a impressão de ser uma cover, mas na verdade era uma composição nova de Billy Field e Tom Price, com uma levada jazzy que remetia ao E.P. anterior de Dave. Momento de descontração que servia para dar uma desacelerada e abrir caminho para uma pequena pérola chamada “Ladies Nite In Buffalo”, uma semi-balada bem cadenciada, trazendo um solo antológico de Steve Vai, esbanjando técnica e feeling na medida certa.



“Goin’ Crazy” foi o segundo single, com direito a mais um vídeo clipe seguindo os moldes dos anteriores de Dave: uma introdução com os mesmos personagens caricatos, passando por situações esdrúxulas, até a entrada da música. Momento em que Dave entra em certa contradição, visto que a canção é toda regada a teclados e sintetizadores, mas sem deixar de lado o belo trabalho nas cordas de Vai e Sheehan.

Seguindo o play, uma nova regravação: “Tobacco Road”, hit da década de 1960 do grupo britânico The Nashville Teens. Foi lançada também como single e obteve quase tanto sucesso quanto os anteriores. “Elephant Gun” resgata o frenesi de “Shy Boy”, com uma levada bem rápida e um solo de baixo alucinante, em outro grande momento do disco.

Na porção final, “Big Trouble” e “Bump And Grind” mantêm a o pé no rock enquanto a faixa de encerramento, “That’s Life”, é mais uma regravação que remete aos standards da década de 1960 (sua versão mais famosa fora gravada por ninguém menos que Frank Sinatra). Chegou a ser lançada também como single e teve um vídeo com cenas da carreira de Dave, mas não obteve o mesmo êxito dos anteriores.

O saldo final foi um clássico instantâneo do hard rock norte-americano, seguido de uma turnê com lotações esgotadas por onde passou – e que infelizmente não teve nenhum registro oficial em áudio ou vídeo, apenas bootlegs de qualidade pra lá de irregular. Foi lançada ainda uma versão em espanhol do disco, sob o título de “Sonrisa Salvaje”, tentando, com o perdão do trocadilho, abocanhar o mercado mexicano, mas com resultados frustrantes.

O resto da história todo mundo já sabe: o Van Halen devolveu as alfinetadas no título de seu álbum seguinte (“OU812” – pronuncia-se “Oh, you ate one too”, que traduzido significa “Oh, você comeu um também”) e se mantinha no auge de vendas de discos e ingressos, enquanto a carreira de Dave foi decrescendo exponencialmente. Este tentou uma guinada para o lado dos sintetizadores e da sonoridade pop em seu trabalho seguinte, “Skyscraper” (que gerou a insatisfação de Billy Sheehan, que se demitiu logo após a gravação), mas sem o mesmo êxito dos ex-companheiros (tanto em vendas quanto em qualidade). Até que alguns anos depois houve a surpreendente saída de Sammy Hagar do Van Halen, em 1996, também devido a divergências com o gênio/genioso guitarrista. Após muitas especulações sobre a reunião da formação clássica ainda em 1996 e uma breve passagem de Gary Cherone no posto de vocalista, o retorno de Roth finalmente se concretizou em 2007 – porém sem Michael Anthony no baixo, com o herdeiro Wolfgang Van Halen em seu lugar.



Para encerrar, em 2015 houve uma tentativa de se reunir a banda que gravou “Eat’ Em And Smile” em Los Angeles, para uma apresentação especial e surpresa no pequeno Lucky Strike, cancelada no último momento pelos bombeiros pela falta de segurança do local para comportar o número de pessoas que pretendia assistir ao show. E na última NAMM, agora em janeiro, esta reunião ocorreu parcialmente, com Dave tendo suas partes cantadas por Jeff Scott Soto para a execução de "Shy Boy". E o Van Halen? Será que volta mesmo com Michael Anthony, como andam dizendo os boatos por aí? Aguardemos...

Eat ‘Em And Smile (Warner Bros. Records)

Produzido por Ted Templeman

David Lee Roth - vocais
Steve Vai - guitarras, arranjo de metais na faixa 3
Billy Sheehan - baixo, backing vocals
Gregg Bissonette - bateria, backing vocals

Músicos convidados:

Jeff Bova – teclados na faixa 1
Jesse Harms – teclados na faixa 5
Sammy Figueroa – percussão na faixa 5
The Waters Family - backing vocals na faixa 10
The Sidney Sharp Strings – cordas na faixa 10
Jimmie Haskell – arranjo de metais e cordas na faixa 10

Matéria originalmente publicada no Whiplash! ora atualizada


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