Tommy: 50 anos de uma obra-prima do The Who




"Ouça Tommy com uma vela acesa e você verá todo o seu futuro"
(Cena do filme "Quase Famosos")

Com a frase acima, em uma cena crucial no começo de seu semi-autobiográfico filme, Cameron Crowe mostra um verdadeiro rito de passagem, onde William Miller, personagem principal do filme que representa o próprio diretor, recebe de herança de sua irmã mais velha todos os seus álbuns de rock quando esta sai de casa para ir trabalhar como aeromoça. E o bilhete acima traduz de certa forma não só o universo que se abriria diante dele, que viria a se tornar um jornalista precoce apaixonado pelo rock and roll, mas também o modo como o quarteto britânico tomou de assalto o cenário ao lançar este ambicioso projeto e conquistou milhões de fãs ao redor do mundo dali por diante.

"Tommy", olhando hoje em dia, pode até não parecer isso tudo para a geração mais nova, mas foi um verdadeiro divisor de águas tanto na história do grupo quanto no próprio panorama e cultura da música popular, em especial do rock. Não foi o primeiro álbum conceitual, aquele que trabalha amarrando todas as músicas em um mesmo tema, mas foi a primeira ópera-rock a se popularizar em grandes proporções, a ser apresentada na íntegra no palco durante sua turnê, e posteriormente a virar filme e musical da Broadway.




Após algum tempo se exercitando em obras mais elaboradas, como uma mini-ópera de 8 minutos na música "A Quick One (While He's Away)" e no álbum "The Who Sell Out", onde se recriava no vinil uma transmissão de uma emissora de rádio com direito até a jingles e propagandas, Pete Townshend surge com o conceito desta obra que fala sobre essencialmente sobre libertação. E com ela, tratar de alguns temas pessoais e expurgar alguns demônios, como o abuso sexual infantil e o bullying, que o próprio enfrentou ao longo de sua vida, além de criticar o fanatismo religioso, tendo sido muito inspirado pelas ideias do seu guru espiritual Meher Baba.

E tudo isso veio através da história do garoto Tommy Walker, um garoto cujo pai desaparecido na guerra foi dado como morto, e vivia pacificamente criado pela mãe e seu companheiro, até que repentinamente o Capitão Walker ressurge em casa e assassina o amante de sua esposa, fato presenciado pelo filho que entra em estado de choque catatônico, e a partir daí se isola do mundo, ficando "cego, surdo e mudo", não exprimindo quaisquer tipos de sensações.

Os pais reconciliados buscam todo tipo de ajuda para que o filho volte ao normal: médico, curandeiros, até mesmo uma profissional do sexo... mas nada funciona... A única forma de comunicação de Tommy com o mundo exterior é através de uma mesa de pinball, onde ele se torna um verdadeiro ás e quebra todos os recordes do jogo, passando a ser venerado e cultuado.



Obviamente não seria fácil convencer a gravadora a um projeto tão ambicioso, artístico e fora das convenções assim. Mas o produtor Kit Lambert comprou a ideia de Pete, e uma entrevista antes mesmo das gravações junto à Rolling Stone expôs todo o conceito do álbum e deixou os fãs bastante curiosos. Assim, com o sinal verde, mas com um Pete ainda reticente e pouco confiante, "Tommy" começava a ganhar vida.

Contando com a colaboração de seus companheiros de banda para desenvolver suas demos pré-gravadas apenas com um violão em casa, a história ia crescendo e se desenrolando além do que seu idealizador poderia imaginar. Pete atribuiu a John Entwistle a tarefa de escrever sobre alguns temas que o incomodavam, os abusos sofridos durante a infância - e este criou as soturnas "Cousin Kevin" e "Fiddle About". Já o extravagante Keith Moon contribuiu com a divertida "Tommy's Holiday Camp". O vocalista Roger Daltrey, por sua vez, praticamente encarnou Tommy durante as gravações, entregando uma de suas melhores performances vocais de sua carreira.


Se foi libertador para Pete tratar destes assuntos, Roger Daltrey também aproveitou do momento para se libertar de uma imagem forjada e assumir sua verdadeira pompa de rockstar, assumindo os cabelos naturalmente cacheados e exibindo sua boa forma física, ao se apresentar sempre sem camisa abaixo de sua jaqueta - "nós tínhamos esse deus do rock ao nosso lado o tempo todo e nunca havíamos percebido", disse Pete sobre o vocalista.

E se era no palco que o The Who entregava sempre o seu melhor, as apresentações da banda passaram a ser cada vez mais concorridas, pois "Tommy" passou a ser tocada praticamente na íntegra em todos os seus shows dali em diante. Tando que o baixista John Entwistle afirmou que passou anos sem ouvir o álbum, exausto das inúmeras sessões de gravações e de tanto reproduzi-lo ao vivo.

O sucesso foi tamanho que em 1975 o projeto ganhou as telas dos cinemas, em filme dirigido por Ken Russell, com Roger Daltrey no papel principal, contracenando com estrelas do porte de Ann-Margret, Oliver Reed, Jack Nicholson, além de grandes nomes da música também como Tina Turner, Elton John e Eric Clapton. Posteriormente, em 1991, seria levado aos palcos da Broadway em uma adaptação musical que contou com colaboração do próprio Pete.

Uma curiosidade: "Pinball Wizard", a música mais conhecida do álbum (senão de toda a carreira do The Who) surgiu meio que ao acaso - Pete Townshend a criou porque faltava um "single" em potencial para divulgar o álbum, e até então nem sequer havia a ideia de que Tommy seria campeão de pinball. A história não só da música, como também de todo o álbum, é muito bem contada no excepcional documentário "Sensation: The Story Of Tommy", simplesmente imperdível!



Vamos então todos juntos celebrar os 50 anos desta verdadeira obra-prima... Apague as luzes, acenda suas velas, e coloque "Tommy" pra rolar... Sua vida nunca mais será a mesma após esta experiência... 

"Tommy can you hear me?"...

Iron Maiden: o lado escritor de Bruce Dickinson



Hoje em dia não é segredo para ninguém que Bruce Dickinson é hiperativo e, por conta disso, ocupa-se de várias outras funções além de ser o vocalista do Iron Maiden. Além da carreira musical (contando também com ótimos álbuns solos), Bruce é piloto de aviões, já teve seu programa de rádio na BBC de Londres, já foi diretor de marketing, pratica esgrima, é formado em história e, como se não bastasse, escritor. E hoje em dia poucos conhecem essa sua faceta literária, algo que começou meio que ao acaso, durante a turnê de Somewhere In Time (lá pelos idos de 1986/87).


Nessa época, Bruce encarava a iminência de um divórcio e nem mesmo o cansaço da vida na estrada junto ao Maiden lhe rendiam boas noites de sono. Entre uma noite em claro aqui e ali, ele começa a coletar algumas ideias e esboços sobre um malandro inglês vivendo na Escócia, passando por dificuldades financeiras. Ao mesmo tempo, Bruce vislumbrava escrever um filme sobre o violinista italiano Niccolò Pagannini, numa espécie de ópera-rock que chegou a ser levada em consideração por alguns estúdios cinematográficos na época. Ele chegou a explicar seu fascínio sobre o virtuoso músico: “O filme seria uma espécie de cruzamento entre “Amadeus” e “Tommy”. Paganini era feio que doía, narigudo, corcunda e quase careca. Odiava seu pai que o obrigava a estudar música, teve filhos bastardos, teve seu corpo mudado de lugar várias vezes após sua morte porque as pessoas achavam que ele tinha pacto com o demônio. Ele tirava sons de pássaros de seu violino no meio dos concertos, se vestia de preto como Ritchie Blackmore, tinha mãos grandes e ágeis como Jimi Hendrix...”.




Porém apenas o entusiasmo do músico não foi o bastante para levar o projeto adiante, e logo ele voltou a se focar em seus manuscritos desconexos, que após serem retomados logo formariam o esboço do primeiro livro de Bruce Dickinson, lançado em 1990: “The Adventures of Lord Iffy Boatrace” (“As aventuras de Lord Iffy Boatrace”). Usando de muito humor negro e ácido, Bruce critica em formato de quadrinhos a aristocracia inglesa. Iffy Boatrace é um caçador de aves que passa por tremendas dificuldades financeiras. Para sair dessa, ele inventa uma reunião de velhos colegas de escola para uma sessão de tiros contra uma espécie de ave que ele garante ser indestrutível – na verdade uma falsa ave que o próprio havia forjado juntando penas a um enorme pudim de farinha com passas (!). E quando seus colegas se reúnem, situações bizarras começam a acontecer, culminando na criação da “maior e melhor máquina de sexo do mundo” por um deles...




Sim, totalmente nonsense, e como de se esperar, massacrado pela crítica especializada. Mas nada que impedisse o livro de ser um sucesso de vendas na Inglaterra, através dos famintos e fanáticos seguidores do Maiden. Tanto que sua primeira tiragem se esgotou rapidamente, levando a editora a encomendar a Bruce um segundo livro, lançado em 1992 e que levaria o singelo título de “The Missionary Position” (expressão equivalente à posição sexual “papai e mamãe” em português, num trocadilho com a posição de “missionário” a ser assumida pelo personagem principal). Desta vez Bruce abre seu leque e critica as mais variadas classes, como policiais, religiosos, bandas posers e etc. Quanto à história, desta vez Iffy Boatrace vai parar em Los Angeles, após roubar as passagens aéreas de um casal, e como sempre passa por dificuldades financeiras. Agora ele resolve se tornar um evangelizador, seguindo os passos de Jimmy Reptile (sim, a mesma referência ao pastor Jimmy Swaggart utilizada na música “Holy Smoke”, do álbum “No Prayer For The Dying”).

Bem, o tempo passou, Bruce saiu do Maiden e depois voltou, e continuou com suas múltiplas atividades. E em 2001, o ex-integrante do grupo humorístico Monty Python Terry Jones anuncia que o primeiro projeto de sua nova empresa, a Messiah Pictures, seria a filmagem de um roteiro escrito pelo vocalista em conjunto com o diretor Julian Doyle que já havia trabalhado com Bruce nos vídeos de “The Tower” e “Killing Floor”, do álbum “Chemical Wedding”. O projeto foi engavetado, devido a falta de recursos e de interesse de algum grande estúdio em distribui-lo, mas em 2008 a Focus Films reativou o projeto e o levou adiante.



Embora o filme leve este mesmo nome, a história aqui retrata o professor Haddo (interpretado pelo ator Simon Callow) que recebe o espírito do ocultista Aleister Crowley com o auxílio de uma máquina de realidade virtual, passando então a realizar diversos ritos místicos, buscando encontrar a “noiva escarlate” para realizar o ritual que leva o nome do filme (o “casamento químico” é um antigo ritual realizado pelos Rosa-Cruzes, que visa promover a união física, alquímica e espiritual de dois seres), para assim elevar seus poderes.

E assim como os livros, o filme escrito por Bruce não agradou em nada à crítica, principalmente pelo roteiro confuso, pelas cenas grosseiras e gratuitas (como o professor urinando em seus alunos, ou a cena em que uma mulher é depilada antes de ser sacrificada). E desta vez nem os fãs de Maiden apoiaram o projeto, que foi um fracasso retumbante nas bilheterias – para se ter uma ideia, nos EUA foi lançado direto em DVD, com o título alterado para “Crowley”, e permanece inédito até hoje aqui no Brasil (pelo menos oficialmente, já que pode ser baixado pela internet). Se serve de consolo, a trilha sonora pelo menos é muito boa: desnecessário dizer que conta com canções do Maiden (“The Wicker Man”, “Can I Play With Madness”) e da carreira solo de Bruce (“Chemical Wedding” e “Man Of Sorrows”), além de trechos eruditos de Mozart, Handel e Debussy.




Pois é, não se pode vencer todas. Resta saber se Bruce Dickinson, o incansável, deixou-se abater ou se pretende trazer à luz mais um pouco destas histórias malucas que circulam por sua cabeça... Por hora sua última aventura como escritor foi sua autobiografia "Para Que Serve Este Botão", onde narra desde as memórias de sua infância, passando por sua trajetória musical de sucesso, e relatando sua batalha vitoriosa contra o câncer na garganta. Vida longa, Bruce!

Matéria originalmente publicada no site Whiplash!, ora atualizada.

Queen: O magistral "News Of The World"



O ano era 1977. O Queen já havia gravado seu nome mundialmente entre as grandes bandas de rock desde que “Bohemian Rhapsody” tomou de assalto as paradas de sucesso cerca de dois anos antes. Após mais duas turnês mundiais, o quarteto inglês vinha tocando em espaços cada vez maiores, com ingressos cada vez mais disputados, inclusive no Japão e no tão sonhado mercado norte-americano, onde a abertura de sua última excursão ficou a cargo do Thin Lizzy – e cujo concerto no lendário Madison Square Garden teve a venda total de assentos em poucos minutos...

Num dos concertos desta mesma turnê, só que em Birmingham, na Inglaterra, os músicos foram pegos de surpresa após o final do show quando a plateia começou a cantar em coro para a banda “You’ll Never Walk Alone”, tema de um antigo musical chamado “Carrossel”. Aquilo ficou na memória dos músicos, e quando o Queen voltou ao estúdio para gravar seu novo álbum, Brian May e Freddie Mercury se propuseram a compor um tema para ser entoado junto ao público no encerramento de seus shows, uma espécie de “hino” para celebrarem juntos ao final das apresentações. Carregando esse sentimento e mais as experiências junto às viagens pela América e Europa, há quarenta anos atrás nascia um divisor de águas na carreira do Queen, o magistral “News Of The World”.


Até então em sua discografia o Queen vinha mantendo seu padrão musical envolvendo instrumentais intrincados, trabalhos vocais extremamente burilados, que assim como as guitarras eram gravados em diversas camadas. Desta vez, porém, a banda optou por uma musicalidade mais direta, sem deixar de passear por diversos ritmos e influências diferentes: Freddie vinha com arranjos de piano com acordes de jazz, Brian deixando claro em sua guitarra o quanto estava encantado com o blues norte-americano, o baterista Roger Taylor flertando com uma pegada ainda mais agressiva e o baixista John Deacon apresentando composições suaves e delicadas. Assim como no trabalho anterior (“A Day At The Races”) dispensaram a presença de um produtor para o disco, mas contando mais uma vez com os préstimos do então engenheiro de som Mike Stone (chamado por Brian de “gênio dos estúdios”), creditado como co-produtor – Stone posteriormente viria a produzir depois álbuns para o Journey, Asia, Whitesnake, entre outros.

Voltando à história do “hino para as massas”, “News Of The World” abre com a dobradinha “We Will Rock You” e “We Are The Champions”, que dispensam qualquer tipo de apresentação. Duas músicas que parecem se complementar tão perfeitamente que fica meio que impossível ouvir uma sem se lembrar da outra. E elas foram trabalhadas para que fosse assim mesmo: foram lançadas juntas, como lado A e B em single, foram compostas para serem o encerramento do show da banda (e desde sempre executadas assim), de modo a envolver a plateia e colocar todos para cantarem em coro. Até as rádios na época as executavam em seguida, sem interrupção. O que a banda mal podia imaginar era a dimensão que isso iria tomar, com ambas as faixas transcendendo as margens do rock, da música em geral, e se tornarem hinos também do esporte. Até hoje arenas ao redor do mundo das mais diversas modalidades esportivas ecoam a primeira em seus intervalos, envolvendo as torcidas, e a segunda como a celebração dos vencedores dos torneios nas finais.



Em “We Will Rock You” nenhum instrumento além da guitarra de Brian é tocado. A banda gravou a si mesma batendo os pés e as palmas das mãos diversas vezes, fazendo sobreposições e acrescentando delays e overdubs até chegarem à sonoridade que queriam, dando a impressão de uma multidão executando os sons. Os delays foram calculados em proporção de números primos, numa técnica de estúdio conhecida como “reverberação não-harmônica” e o resultado final foi regravado em loop na fita master, repetindo a batida por exatos 2 minutos, quando se encerra o solo de guitarra. Uma versão com diferentes arranjos, executada por toda a banda (conhecida como “Fast Version”) também foi gravada, e seria usada na abertura dos shows pelas próximas quatro turnês do Queen. Essa versão de estúdio ficou de fora do álbum original, tendo sido lançada apenas em suas reedições remasterizadas em CDs (e antes disso na coletânea “Best Of The Best – King Biscuit Flower Hour”, do extinto programa de rádio King Biscuit, da estação americana D.I.R.).

Embora Freddie Mercury houvesse dito algumas vezes que “We Are The Champions” já tinha sua estrutura escrita anos antes, ela só foi de fato concluída durante as gravações de 1977, evocando mais uma vez o sentimento da “plateia levantando as mãos e cantando” nos shows. Com vários acordes de jazz em seu piano (por incrível que pareça, Freddie se considerava um pianista horrível) e uma forte carga emocional nos vocais, é com certeza uma das performances mais marcantes do frontman em sua carreira, com os demais músicos o acompanhando com a sutileza e elegância necessárias.


Porém resumir “News Of The World” a apenas essas duas faixas seria um pecado mortal. O álbum segue com uma pancada na boca do estômago chamada “Sheer Heart Attack”, cortesia do baterista Roger Taylor, composta originalmente para o álbum de mesmo nome. Segundo o próprio autor, inúmeros fatores influenciaram para que a faixa fosse deixada de lado, inacabada. Mas com a explosão do movimento punk no período, parecia ser o cenário perfeito para dar um “cala a boca” naqueles que desdenhavam do poder de fogo do quarteto, que era um dos alvos preferidos dos seguidores de Sex Pistols e afins – a letra da música, aliás, dá umas boas alfinetadas nos punks: “There’s a lot of space between your ears” (“há muito espaço (vazio) entre suas orelhas”); “I feel so inarticulate” (“me sinto tão inarticulado”)... Roger assume quase toda a instrumentação aqui: bateria, baixo e guitarra-base (os pequenos solos que a costuram são de Brian), e chegou a cantar na versão demo, mas na gravação final a banda acabou optando por Freddie.

“All Dead, All Dead” traz um pouco de quietude e mansidão após o rolo compressor da faixa anterior, com Brian cantando sobre a inconformidade da separação pela morte, e dividindo o piano com Freddie, fazendo uma bela dobradinha com “Spread Your Wings”, uma das mais belas composições do calado baixista John Deacon. Aqui o show novamente é de Freddie, soltando sua voz e passeando pelo piano enquanto canta a história de Sammy, um jovem solitário e sonhador, que trabalha na limpeza de um bar, desdenhado pelo seu patrão e encorajado pelo narrador a seguir suas aspirações. Brian também se destaca, com um belíssimo solo, que costumava se estender ao vivo (como pode ser conferido no álbum “Live Killers”).


“Fight From The Inside” é outra ótima composição de Roger Taylor, que fecha o lado A do vinil. Aqui ele assume mais uma vez o baixo e a guitarra-base, além da bateria e dos vocais principais. Curiosamente seu riff de guitarra inicial é citado por Slash como um de seus favoritos em todos os tempos. O único outro membro a participar desta gravação foi Brian, com a adição de algumas guitarras.

No lado B o Queen expandiu ainda mais a sua diversidade rítmica do play. E, junto a isso, Freddie e Brian, mais especificamente, trouxeram à tona um pouco do que experimentaram nas noites na estrada. Em “Get Down, Make Love”, como o próprio nome sugere, Mercury explora a temática sexual que voltaria a abordar depois com menos sucesso em “Body Language”, do controverso “Hot Space”. Os efeitos sonoros da faixa ficaram a cargo da guitarra Red Special de Brian May conectada a diversos pedais (mais notadamente um Electroharmonix Frequency Analyzer) e a um antológico Eventide Harmonizer, processador de áudio que virou febre naquela década. Foi mais uma música a permanecer no setlist fixo da banda, desde seu lançamento até a turnê do já citado “Hot Space”.



Brian traduziu suas noitadas no campo musical compondo um blues despretensioso em “Sleeping On The Sidewalk”, onde ele também assume os vocais principais, contando a história de um trompetista de rua descoberto, contratado e explorado pela gravadora e empresários. Consta que a faixa foi gravada “ao vivo” em estúdio, com os músicos tocando juntos em apenas um take. Embora tenham realizado outras gravações, prevaleceu a primeira, sem overdubs no instrumental (apenas o vocal foi regravado).

John Deacon aparece com mais uma composição, a semi-acústica “Who Needs You”, onde ele e Brian tocam seus violões com um certo acento latino-hispânico. Brincando com o estéreo, como os Beatles costumavam fazer, concentraram os vocais de Freddie apenas no canal de áudio direito e a guitarra solo de Brian no canal da esquerda. Roger acrescenta a percussão, com o auxílio de Brian nas maracas e Freddie no cowbell. Um momento mais descontraído e divertido.



E finalmente chegamos a uma das faixas mais subestimadas não só do álbum, mas também da carreira toda do Queen. “It’s Late”, uma pérola de seis minutos e meio de Brian May, traz uma abordagem lírica teatral dividida em três atos, mostrando alguém dividido entre a mulher que ama e a amante - intercalando seus diálogos com ambas nas três divisões. Se o vocal de Freddie Mercury é um show à parte, não podemos ficar indiferentes ao trabalho de Brian na guitarra, novamente com uma pegada calcada no blues e com um solo antológico cheio de bends e tappings, inspirado, segundo o próprio, em Billy Gibbons do ZZ Top e Rocky Athas, guitarrista texano de quem May se tornou grande fã. Uma pequena obra de arte...

Finalizando a viagem musical, a depressão toma conta de Freddie, contando como se sentia após se esbaldar na noite e voltar para casa solitário. Esse sentimento se traduz em “My Melancholy Blues”, que, apesar do nome, remete às baladas standards de jazz. Sem nenhuma guitarras, o lamento pessoal do vocalista é acompanhado apenas por seu piano, um contrabaixo suave de Deacon e uma bateria sutil de Taylor. O clima “pós-festa com ressaca” torna a faixa perfeita para encerrar este grande trabalho, que foi o disco que catapultou o Queen ao estrelato na América do Norte, tendo sido quatro vezes platina somente por lá, e se tornando seu álbum mais vendido no mundo até então.


Mas não terminamos ainda... Seria injustiça encerrar o texto sem mencionar a capa antológica desenhada pelo artista Frank Kelly Freas. A ilustração foi um remake de uma original feita por ele mesmo para a capa da revista de Ficção Científica “Astounding Science Fiction”, em outubro de 1953, cuja cópia Roger Taylor tinha em sua casa. Ao invés de segurar apenas um homem morto, como no original, agora o robô gigante segurava os próprios membros do Queen mortos, com Taylor e Deacon caindo e May e Mercury ainda na sua mão. Mais uma curiosidade: reza a lenda que Freas não conhecia a banda (não era fã de rock, apenas ouvia música clássica) e só aceitou a empreitada após ouvir algumas músicas do grupo, que ele classificou como intrigantes... Por fim, uma homenagem satírica à capa e ao Queen foi feita pela série animada “Family Guy” em 2012, no episódio “Killer Queen”, onde Stewie Griffin fica traumatizado ao ver a ilustração.


Queen – News Of The World (1977)

Produzido por Queen – Co-produzido por Mike Stone


Freddie Mercury – vocais, piano, cowbell em "Who Needs You"
Brian May – guitarras, violões, backing vocals, vocais principais em "All Dead, All Dead" e "Sleeping on the Sidewalk", maracas em "Who Needs You"
Roger Taylor – bateria, percussão, backing vocals, vocais principais em "Fight from the Inside", guitarra-base e baixo em "Fight from the Inside" e "Sheer Heart Attack"
John Deacon – baixo, violões em "Who Needs You"


Matéria originalmente publicada no site Whiplash!

Bem vindo à Máquina! A propósito, qual de vocês é o Pink?



Quando falamos sobre o álbum “Wish You Were Here” do Pink Floyd, normalmente as primeiras idéias e sons que se formam em nossas cabeças nos remetem às faixas mais conhecidas do registro, “Shine On You Crazy Diamond” e “Wish You Were Here”, além de suas referências a Syd Barrett. Muita gente acaba se esquecendo das duas outras músicas que compõem o trabalho e suas críticas extremamente ácidas à indústria musical: “Welcome To The Machine” e “Have a Cigar”.

As duas canções citadas demonstram como os membros do Floyd (especialmente o autor das duas músicas, Roger Waters) encontravam-se desiludidos e inconformados com as manipulações das gravadoras e seus executivos sobre os músicos. Grande parte desta irritação se dava com a pressão que sofreram para gravar o sucessor de “Dark Side Of The Moon”, que todos sabem, catapultou o quarteto ao estrelato. Como curiosidade, embora na época a banda tivesse acabado de trocar de gravadora, saindo da EMI (para onde voltariam muito tempo depois) e assinando com a Columbia/CBS (anos depois, incorporada à Sony Music), em território britânico permaneciam na mesma Harvest (subsidiária da EMI), contra quem sua ira era disparada.

WELCOME TO THE MACHINE




Em “Welcome To The Machine”, podemos ver Waters e Richard Wright explorando pesadamente seus teclados e sintetizadores, além de vários truques com as fitas de gravações, criando um clima bem denso para o tema, que trata abertamente da desilusão pessoal dos músicos em relação ao mercado musical.

A letra da canção, em primeira pessoa do plural, mostra esta indústria, a Máquina, se dirigindo a um jovem músico, apresentando momentos de sedução do artista, com suas ideias de rebeldia e sucesso (“Você comprou uma guitarra para punir sua mãe”, “Você sonhou com uma grande estrela”, “Ele adorava andar em seu Jaguar”), ao mesmo tempo em que mostra as garras e a dominação que exercem sobre sua criatividade (“O que você sonhou? Tudo bem, nós dissemos com o que devia sonhar”).

De certa forma, esta música hipoteticamente nos remete a Syd Barrett e seu colapso mental, se levarmos em conta que este passou a ver o mundo ao seu redor como uma máquina que o engolia: não só a indústria musical, mas também os fãs e o grupo. Todos passaram a ditar o caminho que deveria trilhar para fazer sucesso, ficando sua liberdade e rebeldia inicial em segundo plano.

Para as performances ao vivo, foi encomendado ao desenhista e artista gráfico Gerald Scarfe a criação de um vídeo de animação para ser projetado no palco – e que depois acabou sendo veiculado como vídeo clipe. Este vídeo mostra uma espécie de robô que aparenta um cruzamento de um Triceratops com um besouro ou um tatu, perambulando por um cenário apocalíptico, tendo se tornado um clássico. Lembrando que esta foi apenas a primeira parceria de Scarfe com a banda, que se repetiria depois nas animações e ilustrações de “The Wall”. Graças ao sucesso destas colaborações, Scarfe foi convidado na década de 1980 a trabalhar para a Disney, onde se tornou um dos chefes do estúdio de animação.


HAVE A CIGAR




Já em “Have a Cigar”, Roger Waters faz uma compilação dos maiores clichês e chavões que costumavam ouvir dos executivos musicais. Lugares comuns como “a banda é simplesmente fantástica”, “é um grande começo”, “Isto poderá se transformar em um monstro se seguirmos em frente como um time” dividem espaço com verdadeiros incômodos como “você deve isso ao público” e especialmente “A propósito, qual de vocês é o Pink?”. Sim, o descaso para com o artista era tão grande que os engravatados sempre achavam que Pink Floyd era uma pessoa – homem, mulher, inglês, americano... que diferença fazia? O que importava era o quanto esse tal de Pink Floyd rendia aos seus cofres... Por sinal, a frase “We call it riding the gravy train” (algo como “nós chamamos isso de ‘montar na grana’”) é cantada até o último suspiro para enfatizar o fato de as gravadoras “torcerem” o artista até “pingar” o último centavo.

Conforme entrevista publicada pela Rolling Stone em dezembro de 2011 (com trechos publicados pelo Whiplash.net), Roger Waters pretendia cantar “Have a Cigar”, mas não o fez: “Eu tinha bastante capacidade para cantá-la e me deixei convencer do contrário”, disse Waters, que de certa forma culpou seus colegas por isso, em especial David Gilmour e Richard Wright: “Eu me lembro de terem feito de tudo para que eu não me sentisse a vontade. Minha lembrança é de David e Rick se esforçando para observar que eu não sabia cantar e era desafinado”.

Na verdade, Waters estava com a voz comprometida pelas várias tomadas realizadas para gravar “Shine On You Crazy Diamond”. David Gilmour também se recusou a cantar a música (“Não tinha nada contra ela, apenas achava que era fora de meu alcance vocal”). “Have a Cigar”, então, acabou sendo cantada pelo convidado Roy Harper, cantor de folk rock inglês (aquele mesmo homenageado pelo Led Zeppelin em “Hats Off to (Roy) Harper”).

Harper estava trabalhando em seu álbum “HQ” no Studio 2 em Abbey Road ao mesmo tempo em que o Pink Floyd ocupava o Studio 3. “Roy Harper estava gravando seu álbum em outro estúdio da EMI, e ele é nosso amigo. Pensamos que ele podia trabalhar nela”, disse Waters. E o resultado ficou sensacional, com Harper soltando sua voz ao máximo, conferindo uma dramatização da letra de forma impressionante. Segundo David Gilmour, todos adoraram a versão de Harper, exceto Waters. Embora melindrado, ele acabou convencido pela maioria e a gravação foi aprovada para o disco.



“Have a Cigar” é uma das duas únicas canções da banda cantadas por alguém que não fosse membro permanente da banda (a outra é “The Great Gig in the Sky”). A canção foi tocada nas turnês de 1975 e 1977 do Pink Floyd. Nas performances ao vivo, foi Roger Waters quem cantou a música e David Gilmour fazia os backing vocals. Harper chegou a cantar a música com a banda em uma ocasião, durante a apresentação do grupo no Festival Knebworth de 1975. Trinta e seis anos depois, com o lançamento de “Wish You Were Here – Immersion Box Set”, podemos conferir uma versão da música no disco bônus com Waters e Gilmour assumindo os vocais.

A grande prova do pensamento do grupo sobre os executivos expressado por estas duas canções está em uma das possíveis interpretações da imagem na contracapa do álbum: a figura de um homem de terno no deserto, sem corpo ou alma – exatamente como o Floyd enxergava a gravadora. Outros, porém, mencionam que como a temática do álbum é a solidão e o isolamento, esta imagem seria uma variação do tema.


De qualquer forma, “Wish You Were Here” fez sucesso e sua faixa-título se tornou uma das músicas mais conhecidas da banda, mas o álbum não repetiu em termos de vendas o que seu antecessor “Dark Side Of The Moon” fez, para tristeza dos executivos... Independente das cifras, todos concordam que o Pink Floyd havia perpetrado ali mais um trabalho digno de ser chamado de clássico – aliás ambos disputam junto a “The Wall” o posto de álbum favorito do grupo entre os fãs. Qual é o seu?

As letras e suas traduções:

Welcome To The Machine

Welcome my son, welcome to the machine.
Where have you been?
It's alright we know where you've been.
You've been in the pipeline, filling in time,
Provided with toys and “Scouting For Boys”.
You bought a guitar to punish your ma,
And you didn't like school,
and you know you're nobody's fool,
So welcome to the machine.

Welcome my son, welcome to the machine.
What did you dream?
It's alright we told you what to dream.
You dreamed of a big star,
He played a mean guitar,
He always ate in the Steak Bar.
He loved to drive in his Jaguar.
So welcome to the Machine.

Bem-vindo À Máquina

Bem-vindo meu filho, bem-vindo à máquina.
Onde você esteve?
Tudo bem, nós sabemos onde esteve.
Você esteve no encanamento, passando o tempo,
Munido de brinquedos e “Scouting For Boys” (*).
Comprou uma guitarra para castigar a sua mãe,
Não gostava de ir à escola,
E você sabe que não é bobo de ninguém,
Por isso, bem-vindo à máquina.

Bem-vindo meu filho bem-vindo à máquina.
O que você sonhou?
Tudo bem, nós dissemos com o que devia sonhar.
Você sonhou com uma grande estrela,
Ele tocava uma guitarra sacana,
Ele comia sempre no Steak Bar (**).
Ele adorava dirigir o seu Jaguar.
Por isso, bem-vindo à máquina.

(*) “Scouting For Boys” (em português, “Escotismo para Garotos”) é um livro de Robert Baden-Powell, escrito em 1908.
(**) “Steak Bar” – restaurante especializado em carne.

Have A Cigar

Come in here dear boy have a cigar
You're gonna go far,
You're gonna fly high
You're never gonna die,
You're gonna make it if you try
They're gonna love you

Well I've always had a deep respect
And I mean that most sincerely
The band is just fantastic
That is really what I think
Oh, and by the way, which one's pink?

And did we tell you the name of the game, boy?
We call it "Riding the gravy train"

We're just knocked out,
We heard about the sell out
You've gotta get an album out
You owe it to the people
We're so happy we can hardly count

Ev'ry body else is just green
Have you seen the charts?
It's a hell of a start
It could be made into a monster
If we all pull together as a team

And did we tell you the name of the game, boy?
We call it "Riding the gravy train"

Pegue um Charuto

Entre aqui garoto, pegue um charuto
Você vai longe
Você vai voar alto
Você nunca morrerá
Você vai chegar ao topo se tentar
Eles vão amá-lo

Bem, eu sempre tive um profundo respeito,
E estou sendo muito sincero
A banda é simplesmente fantástica
Isto é o que eu realmente acho
A propósito, qual de vocês é o Pink?

E nós lhe dissermos o nome do jogo, garoto?
Nós chamamos isso de “montar na grana”

Nós fomos nocauteados
Ouvimos sobre as vendas esgotadas
Você vai ter de lançar um álbum
Você deve isso ao público
Estamos tão felizes que mal podemos contar

Todo mundo ainda está verde
Você viu as paradas?
É um baita começo,
Isto poderá se transformar em um monstro
Se nos unirmos como um time

E nós lhe dissermos o nome do jogo, garoto?
Nós chamamos isso de “montar na grana”



Fontes:

Blu-ray “The Story of Wish You Were Here”
Wikipédia: http://www.wikipedia.org/
Whiplash: https://whiplash.net/
Song Facts: http://www.songfacts.com/

Matéria originalmente publicada no site Whiplash!

Doctor Robert Recomenda: Flying Colors


O Flying Colors é um supergrupo formado em 2012 por um time do mais alto calibre de músicos: na bateria Mike Portnoy (membro formador do Dream Theater, The Winery Dogs, Sons Of Apollo, Transatlantic e muito mais hehehe...), na guitarra Steve Morse (Deep Purple, Dixie Dregs, Kansas), no baixo Dave LaRue (Steve Morse Band, Dixie Dregs), nos teclados e vocais Neal Morse (Neal Morse Band, Spock's Beard, Transatlantic) e nos vocais e guitarra base Casey McPherson (Alpha Rev). A ideia de reunir os músicos partiu do executivo Bill Evans, com a intenção de que escrevessem músicas acessíveis com arranjos bem trabalhados. E o resultado não poderia ser melhor...


O primeiro álbum, que leva o nome da banda, foi produzido por ninguém menos que o lendário Peter Collins (Rush, Queensrÿche) e de cara a recepção foi excelente, com méritos. Afinal a qualidade das composições ali presentes eram de deixar de queixo caído qualquer ouvinte mais incrédulo: um caldeirão onde transparecem todas as influências dos músicos, mas sem perder a originalidade. Ouvem-se ecos de Yes, Beatles, Supertramp, Coldplay, Marillion... mas nunca soando como cópia... Dentre os grandes destaques podemos citar "Blue Ocean", "Kayla", "Infinite Fire" e "Love Is What I'm Waiting For", embora seja um daqueles discos perfeitos, para se ouvir do começo ao fim.


O segundo trabalho ("Second Nature") sairia em 2014, produzido pelo próprio grupo. Se não chega a ser tão bom quanto o primeiro, consegue manter a qualidade bem lá no alto. Aqui o grupo escancara mais seu lado progressivo, mas ainda com algumas composições mais acessíveis. "Mask Machine", primeira faixa de trabalho, tem uma pegada mais moderna, e "A Place In Your World" soa bem AOR, por vezes lembrando Journey. Destacam-se ainda a balada "The Fury Of My Love", a ótima "One Love Forever", a bela "Peaceful Harbor" e a épica faixa de abertura "Open Up Your Eyes.



Por se tratar de um projeto paralelo de músicos com diversos outros compromissos com suas bandas principais, o Flying Colors não consegue agendar muitos shows em suas turnês. Mesmo assim, durante as apresentações de divulgação dos dois álbuns, o grupo conseguiu lançar dois registros ao vivo: "Live In Europe", da primeira tour, e "Second Flight: Live at the Z7", na segunda excursão. Ambos com CD ao vivo e DVD/Blu-Ray do show.

Recentemente foram divulgadas imagens por Mike Portnoy revelando que os músicos estariam reunidos trabalhando em novas faixas para um terceiro álbum, fato muito comemorado pelos fãs, parar encerrar este grande hiato desde o último lançamento. Afinal música boa sempre é muito bem vinda... E se você ainda não conhece nada, dê um play logo abaixo e apaixone-se...


Os 50 anos da bíblia "Deep Purple In Rock"

Embora só tenha conhecido de fato o sucesso em 1970, o Deep Purple já tinha uma boa história pra contar. Formado em 1966, o quinteto tra...