Os 50 anos da bíblia "Deep Purple In Rock"




Embora só tenha conhecido de fato o sucesso em 1970, o Deep Purple já tinha uma boa história pra contar. Formado em 1966, o quinteto trazia em sua formação nos primeiros trabalhos de estúdio os fundadores Ian Paice na bateria, Jon Lord nos teclados e Ritchie Blackmore nas seis cordas, tendo o time completado pelo vocalista Rod Evans e pelo baixista Nick Simper. O nome do grupo, como se sabe, foi retirado de uma antiga canção romântica que a avó de Blackmore gostava bastante. Contratados pela Harvest, gravadora subsidiária da gigante EMI, lançaram três álbuns de estúdio, “Shades Of Deep Purple”, “The Book Of Talesyn” e “Deep Purple”. Tiveram um único e modesto hit, a regravação de “Hush”, de Joe South, que fazia parte de seu primeiro trabalho – que continha ainda covers de “Help!”, dos Beatles, e “Hey Joe”, popularizada por Jimi Hendrix.




Em 1969 ocorre uma mudança crucial no histórico da banda: a entrada dos ex-membros do Episode Six, o vocalista Ian Gillan e o baixista Roger Glover, substituindo Evans e Simper. Lançam o ousado álbum ao vivo “Concert For Group And Orchestra”, gravado no Royal Albert Hall, já com a nova formação, mas não conseguem muito êxito comercial. Porém nos palcos que sua reputação era cada vez mais elogiada, com comentadas performances elétricas e contagiantes – em especial Blackmore, cada vez mais alucinado e influenciado por Jimi Hendrix, trocando de vez sua velha Gibson Semi-Acústica pela Fender Stratocaster e desenvolvendo gradativamente sua “atuação” nos extensos improvisos instrumentais, onde girava, pisava e jogava para o alto o instrumento. Como estavam prestes a lançar um novo trabalho, com a nova formação, que tal então tentar levar toda essa energia para o estúdio?

Trabalhando junto a jovens engenheiros de som, como Andy Knight, Phil McDonald e Martin Birch (que se tornaria colaborador fixo da banda naquela década, bem como do Rainbow, Whitesnake e Iron Maiden anos depois), o Purple passa a tocar e gravar “ao vivo em estúdio” e aposta suas fichas numa sonoridade mais agressiva e pesada (onde, inclusive, o órgão Hammond de Lord passou a ser ligado simultaneamente em uma caixa Leslie e em um amplificador de guitarras Marshall – ganhando seu som característico e o carinhoso apelido de “A Besta”). Destaque também para as notas altíssimas que podiam ser atingidas por Gillan, além de seu timbre espetacular, e para a ótima cozinha formada por Glover e Paice, fazendo um ótimo pano de fundo para os solos intrincados da dupla Blackmore/Lord. O resultado foi “Deep Purple In Rock”, que veio ao mundo em 3 de junho de 1970 e foi uma verdadeira porrada na cara dos mais conformistas.



A abertura ensurdecedora com “Speed King” já era garantia absoluta para incomodar qualquer vizinhança. A épica “Child In Time” até hoje é considerada uma de suas melhores músicas. Isso tudo sem falar em “Bloodsucker”, “Into The Fire”, a empolgante “Flight Of The Rat”, “Living Wreck” e a pesadíssima “Hard Lovin’ Man” (“dedicada” a Birch). Complementando tudo, uma capa inesquecível, com os rostos dos integrantes da banda substituindo os presidentes americanos no monte Rushmore. Ah sim, faltou ainda falar de “Black Night”, que havia sido lançada paralelamente como single e foi um hit absoluto, mas ficou de fora do álbum por causa da limitação de espaço enfrentada em tempos de vinil. “In Rock” merece o status de obra-prima, sem dúvida. Bruce Dickinson, por exemplo, já afirmou diversas vezes que este é seu disco favorito de todos os tempos. Jon Lord sempre cita-o como o melhor trabalho do Purple.

Em 1995 foi lançada uma edição comemorativa de 25 anos, incluindo não somente “Black Night”, mas também outras faixas como “Cry Free”, a versão com piano de “Speed King” (lançada como single na época), além de versões remixadas de algumas faixas do álbum e outtakes do estúdio (como a divertida “Jam Stew”, com os músicos improvisando em seus instrumentos).



Vamos então aproveitar a ocasião e revisitar esta obra seminal do rock pesado, com o volume no talo...

“Good Golly, said little Miss Molly
When she was rockin' in the house of blue light”


Doctor Robert recomenda: vá cantar!




A rotina de todo mundo mudou por estes dias: o isolamento social em função da pandemia do Coronavirus se tornou uma realidade em nosso país. O período ainda indefinido de quarentena, em que se recomenda às pessoas se exporem o mínimo possível em público é uma necessidade para tentar diminuir a curva acendente de contágio do vírus que tomou o mundo. Quanto menos contato e aglomerações, menores as chances de transmissão.

Diante desta situação, tornaram-se comuns os casos de vídeos postados de pessoas em casa cantando, tocando algum instrumento, e até outros casos mais legais ainda, como na Itália onde vemos vizinhos cantando juntos - recentemente viralizou uma vizinhança cantando "War Pigs", do Black Sabbath.




É uma realidade que até bem pouco tempo jamais imaginaríamos enfrentar em algum momento na vida, e o confinamento pode agravar situações de angústia, depressão, ansiedade e outros problemas psicológicos. Assim, vamos a uma recomendação feita pela própria ciência: cantar!

Sim, é comprovado cientificamente que cantar faz bem para a saúde! Vejam alguns dos benefícios do ato de cantar, já constatados em pesquisas: 

  1. Libera os hormônios do bem-estar
  2. Beneficia a capacidade cognitiva
  3. Melhora a saúde
  4. Diminui a pressão arterial
  5. Fortalece os músculos do abdômen e da face
  6. Desenvolve a empatia
  7. Ajuda a sermos mais expressivos
  8. Desenvolve nosso senso de comunidade
  9. Melhora o estado dos pacientes com doença de Parkinson
  10. Exercita a memória
  11. Beneficia o sistema imunológico
  12. É uma atividade terapêutica para idosos, deficientes e doentes
  13. Auxilia a prevenir o ronco e a apneia do sono
  14. Ajuda a ter amigos
  15. Melhora a comunicação. É educativa
  16. Alivia a ansiedade
  17. Libera as emoções presas
  18. Melhora a autoestima
  19. Estimula a sensibilidade
  20. Exercita as cordas vocais e melhora a articulação da fala
  21. Ajuda a respirar melhor
  22. É um bom lazer
  23. Em suma: cantar mais ajuda a sofrer menos



Então deixe de lado sua vergonha e o medo de incomodar os vizinhos. Coloque sua canção favorita e solte a voz! Perceba como vai estar em outra vibração e astral.


E para te ajudar, segue aí uma bela playlist de sugestões de músicas pra cantar junto, desligar do mundo e melhorar o clima em tempos tão sombrios... vamos lá?



Sobre o retorno do Genesis





Na semana passada, Phil Collins, Mike Rutherford e Tony Banks anunciaram o retorno do Genesis às atividades, por ora com shows agendados pelo Reino Unido e Irlanda apenas. O retorno já vinha sendo motivo de especulações desde que Phil e Mike dividiram o palco na Alemanha no ano passado (ocasião em que Mike and The Mechanics, outra banda de Rutherford, abria os shows da turnê solo de Collins). Os rumores ganharam mais força ainda quando os três foram fotografados no Madison Square Garden em janeiro, assistindo a uma partida de basquete entre o New York Knicks e o Los Angeles Lakers, válida pela temporada regular da NBA, e agora finalmente se concretizaram. Ficam algumas perguntas no ar:

- Por que voltar novamente?


Phil Collins e Mike Rutherford são grandes amigos fora dos palcos, e não apenas parceiros musicais. Convencer Tony Banks, com quem o relacionamento de ambos também é bem amistoso, seria apenas questão de tempo. Phil retornou de sua aposentadoria viajando pelo mundo em turnê mesmo com dificuldades de locomoção, devido a problemas nas costas e nos nervos das mãos, que o impedem de tocar bateria, sem falar na perda de grande parte da audição e no tombo que levou durante um show em Charlotte (EUA), quando foi se sentar na cadeira e ela desabou. Assim, como indica o nome da turnê (“The Last Domino?”), agora ao que tudo indica teremos realmente uma despedida oficial do Genesis – embora a reunião de 2007 também tenha sido tratada da mesma maneira, já que Phil anunciou sua aposentadoria pouco tempo depois.

Além disso, Phil retomou as atividades musicais impulsionado pelo filho Nicolas, que toca bateria também e não pode presenciar “ao vivo” a carreira do pai no palco – quando ele assumiu a bateria na turnê de retorno do pai, tinha apenas 16 anos de idade. E Phil gostou da experiência, tanto que quando perguntado sobre um possível retorno do Genesis, sempre disse que faria se Nic estivesse junto, trazendo assim o filho a participar de mais uma parte de sua história e legado.




- Mas novamente sem Peter Gabriel e Steve Hackett?





Vamos por partes: o lendário vocalista sempre relutou e se recusou a participar de reuniões com seu ex-grupo. As únicas vezes em que tocou junto a eles novamente sob o nome Genesis foram primeiramente em 1982, em um concerto organizado pelo próprio Genesis para ajudar Gabriel que passava por um momento pessoal difícil (ele estava quase falido após uma fracassada tentativa de organizar um festival de artes chamado WOMAD), e depois na regravação da clássica “Carpet Crawlers”, para o lançamento da coletânea “Turn It On Again” em 1999. Fora isso, ele sempre declarou ser contra reuniões saudosistas, por considerar um retrocesso em sua carreira e ele sempre gostar de trabalhar olhando adiante novas perspectivas.




Quanto ao guitarrista Steve Hackett, ele também esteve presente nas duas reuniões acima (embora no concerto de 1982 ele tenha participado apenas das duas últimas músicas, no bis). Fora isso, levou adiante sua carreira solo de maneira prolífica (embora não tão rentável quanto a de Gabriel ou Collins), e recentemente parece ter encontrado um verdadeiro filão resgatando as canções de seus tempos na banda, excursionando constantemente mundo afora. Por que ele não estaria envolvido? Talvez na cabeça do trio remanescente, não haja motivo para chamá-lo se Peter Gabriel não estiver envolvido, algo que os fãs obviamente não concordam, já que Hackett permaneceu no grupo até 1977, tendo gravado os antológicos “A Trick Of The Tail”, “Wind and Wuthering” e o ao vivo “Seconds Out” com eles (este, aliás, o tema de sua atual turnê). Assim, ao que tudo indica, o foco da turnê atual deve ser na fase de maior apelo comercial do Genesis, os anos 1980, justamente quando o guitarrista já estava fora do grupo.




Ah sim, Daryl Stuermer, fiel escudeiro do Genesis desde 1978, estará com eles novamente nas guitarras e tocando também baixo em algumas canções.

- Nic Collins dará conta do recado?




Nic tem o aval do pai para ocupar seu posto e o fator hereditariedade a seu favor, mas isso é o suficiente? Phil Collins é um dos maiores nomes da história da bateria no rock, e por mais que o filho tenha se saído bem tocando as canções solo do pai, com o Genesis o bicho pega bem mais, principalmente nas canções mais progressivas com seus compassos e tempos complicados. Phil brincou que havia quando sugeriu a Tony Banks voltarem com ele na bateria, o tecladista não disse nem que sim e nem que não, “mas também não tinha certeza se ele estava prestando atenção no que havia dito”. Já Banks em uma das entrevistas de quarta-feira no anúncio do retorno afirmou estar feliz por Nic soar exatamente como o pai soava, o que lhes daria liberdade para executar músicas que há muito tempo não tocam. Lembrando que durante quase todo o tempo em que Phil esteve como vocalista principal, o posto de baterista nos shows pertenceu ao renomado Chester Thompson (que também acompanhou o cantor em sua carreira solo), exceto na tour de “A Trick Of The Tail”, onde o lendário Bill Bruford excursionou com o grupo. Portanto, não é só a sombra do pai que paira sobre o posto...




- A turnê será apenas no Reino Unido e Irlanda mesmo?


Talvez a maior incógnita até agora. E a resposta mais simples seria: a tour deve durar o quanto a saúde de Phil Collins permitir e o quanto o grupo está disposto a estendê-la. Público para eles, não resta dúvidas que haverá. Porém Phil se desgastou além da conta viajando pelo mundo em sua turnê solo, e não sabemos se ele enfrentaria tudo isso novamente em um intervalo tão curto. Pelo lado positivo, seis datas extras já foram agendadas... Fica a torcida para que seja apenas um aquecimento para algo maior e um possível retorno ao Brasil, que só foi agraciado com uma única visita da banda, no longínquo 1977, na turnê de “Wind and Wuthering”.




- Eles lançarão músicas novas?


Sinceramente? 99% de certeza que não. A menos que ocorra uma conexão muito inspiradora entre o trio durante os shows, é muito improvável – nem mesmo em 2007, quando passaram um pouco mais de tempo juntos, isso ocorreu. Fica a torcida também para que pelo menos algum show seja gravado para ser lançado oficialmente, para que os fãs que não puderem estar presentes nos shows possam sentir o gostinho de ver os ídolos mais uma vez.




Black Sabbath: os 50 anos do álbum de estreia mais sinistro do rock




Antes de começarmos a falar propriamente de música, uma pequena ambientação: Birmingham, Inglaterra. Uma cidade hoje moderna e importante pólo de transportes, eventos e finanças no Reino Unido. Mas há algumas décadas atrás, a cidade símbolo da indústria não trazia grandes perspectivas para seus moradores. Quase que totalmente voltada para a metalurgia, conforme relatos do próprio Ozzy Osbourne ter sucesso profissional ali era sinônimo de trabalhar a vida toda dentro de uma fábrica e ao final de sua carreira “ganhar um relógio como agradecimento pelos serviços prestados”. Isso quando não acabavam se envolvendo com crimes também – o próprio Ozzy chegou a ser preso por pequenos delitos, e quem acompanha a série excelente série “Peaky Blinders” sabe que ambos os cenários vêm de longa data. Não fica difícil imaginar que a música seria uma ótima válvula de escape para os jovens de lá – e não coincidentemente, dentre seus filhos mais ilustres temos, além do Black Sabbath, o Judas Priest, o Duran Duran, The Moody Blues, além de dois talentos nascidos em pequenas cidades em seus arredores, Robert Plant e John Bonham.




Pois bem, eis que o guitarrista Tony Iommi (que havia perdido partes de seus dedos da mão direita em uma prensa, trabalhando em uma indústria) e seu amigo baterista Bill Ward se encontram com o baixista Terry “Geezer” Butler e decidem formar um grupo de blues rock, com uma leve pitada de jazz. Na procura por um vocalista, Geezer convence os outros dois a convidarem John “Ozzy” Osbourne, um jovem dislexo e problemático, para o posto. Iommi que já conhecia Ozzy dos tempos de escola e não ia muito com a cara dele, resolve aceitar pelo fato de que o cantor possuía seu próprio sistema de P.A., o que seria um trunfo para o grupo – qualquer economia de dinheiro era uma ótima notícia.

Após algum tempo se apresentando com o nome de Earth, e após uma breve passagem de Iommi pelo Jethro Tull (que pode ser conferida no DVD “Rock and Roll Circus”, do Rolling Stones), eles descobrem que já existia outra banda usando este nome e decidem escolher outro. Enquanto ensaiavam, perceberam que no cinema do outro lado da rua havia um filme de terror em cartaz chamado “Black Sabbath” (estrelado pelo lendário Boris Karloff). Ficaram refletindo sobre como as pessoas gastavam dinheiro com algo que lhes assustam, e pensaram: por que não fazer também uma música assustadora? Ali nasciam tanto a banda quanto a música “Black Sabbath”...




Após vários testes em gravadoras e muitos “nãos”, conseguem um contrato com a Philips Records, posteriormente transferido para a Vertigo. Entram em estúdio e em pouco mais de 12 horas, registraram tudo (!). E em fevereiro, numa sexta-feira 13 (óbvio), chegava às lojas aquele álbum cuja capa já era sinistra o bastante para chamar a atenção: uma azenha (um moinho movido a água) à beira do rio com uma figura macabra parada diante dela – uma bruxa? E quando se colocava a bolacha para tocar...

Logo de cara aquele som de chuva, com um sino ao fundo e saltam aos ouvidos nos falantes o acorde proibido em trítono (sequência de notas abominada pelas igrejas, pois acreditavam invocar o demônio) repetindo-se até que Ozzy balbucia as primeiras palavras: 

“O que é isso parado na minha frente? 
Uma figura de preto, apontando para mim
Viro-me rápido e começo a correr
E descubro que sou o escolhido...
Oh não!!!”

Impossível não se borrar de medo... E a estratégia não poderia ter dado mais certo... O álbum chegou à oitava posição no Reino Unido e ao número 23 da Billboard nos EUA. Mas o que havia de tão especial naquele disco além de deixar as pessoas com os cabelos em pé e sentindo calafrios? Obviamente um sucesso tão grande não poderia se sustentar apenas na premissa de causar essas sensações, e musicalmente o Sabbath tinha desde já muito mais a oferecer.




Finalizada a agonia (no bom sentido) causada pela faixa de abertura, logo éramos apresentados à gaita de Ozzy introduzindo “The Wizard”, cuja letra teria sido inspirada, segundo Geezer Butler, por Gandalf de “O Senhor dos Anéis” – embora por anos tenha-se acreditado que era uma homenagem a algum fornecedor de drogas. E na sequência, duas outras pérolas: a ótima “Behind The Wall Of Sleep” e, fechando o lado A, a sinistra “N.I.B.”, cuja letra em primeira pessoa fala sobre como Lúcifer, o anjo caído, apaixona-se por uma mulher e tenta se tornar uma pessoa melhor – seria essa a inspiração para o seriado “Lucifer”? E, ao contrário do que todos pensam, o significado da sigla não é “Nativity In Black” (nome de um álbum-tributo ao Sabbath), mas apenas uma referência ao apelido dado a Bill Ward por causa de sua barba, que parecia uma ponta de caneta tinteiro ('pen nib', no inglês), semelhante à utilizada pelo diabo em algumas representações.

O lado B se mostra um pouco mais diversificado, tendo duas versões diferentes: no mercado europeu, trazia apenas as duas regravações feitas pela banda (“Evil Woman”, da banda Crow, e “Warning”, da Aynsley Dunbar Retaliation – sim, o nome é o baterista que tocou com Frank Zappa, Journey e Whitesnake, além de outros), e entre elas “Sleeping Village”, outra composição própria do quarteto. Na edição americana, “Evil Woman” cedia seu lugar a “Wicked World”, outra composição da banda, aqui apresentando uma leve pitada jazzística em sua introdução.




Para muitos, este é o marco definitivo do nascimento do Heavy Metal, embora o próprio grupo odeie este termo para qualificar sua sonoridade. Para outros tantos, o Metal já mostrava suas garras em gravações anteriores, de nomes como Blue Cheer, Steppenwolf, MC5 e até mesmo o power trio Cream – assunto já abordado neste outro texto aqui. De qualquer forma, o mundo do rock jamais seria o mesmo, algo que os quatro jovens daquela cidade operária jamais sonhariam.

Então agora apague as luzes, feche seus olhos e coloque o álbum para rolar. E tente não se arrepiar...





Doctor Robert recomenda: The Marcus King Band



Sabe aquela velha e cansativa história de que "os heróis da música estão morrendo", "não temos peças de reposição" e blá blá blá...? Pois é, quem ainda está nessas e insiste em só ouvir as bandas clássicas que surgiram décadas atrás perde tanto tempo que deixa passar belíssimos trabalhos que continuam surgindo ao redor do mundo. E Marcus King, um prodígio da guitarra, é um nome que merece muita atenção.




Verdadeira cria do meio musical, Marcus é filho do bluesman Marvin King, e desde cedo ele já sabia que a música seria o seu ganha-pão, e não tinha como ser diferente: começou a tocar guitarra aos três anos de idade (!), começando a tocar profissionalmente aos onze (!!!).

Aos quinze anos fundou a Marcus King Band, acompanhado de músicos excelentes, como Jack Ryan na bateria, Stephen Campbell no baixo e Justin Johnson e Dean Mitchell nos metais. Com um som refinado, flertando com o blues, o rock e o soul, a banda logo atraiu seguidores e um contrato para gravação não demorou a surgir. Seu álbum de estreia, "Soul Insight", foi lançado em 30 de outubro de 2015 pelo selo Evil Teen Records (de propriedade de Warren Haynes, do Gov't Mule e Allman Brothers), e de cara alcançou a oitava posição na lista de discos mais vendidos de blues da Billboard naquele ano.




Com o segundo álbum da banda, "The Marcus King Band", eles optam em trocar de gravadora e o trabalho é lançado pela Fantasy Records em 7 de outubro de 2016. Contando agora com Warren Haynes na produção, o disco chegou à segunda posição na Billboard (entre os discos de blues). Em outubro de 2018 lançaram "Carolina Confessions", gravado em Nashville, produzido e mixado por Dave Cobb, conhecido por trabalhar com Rival Sons, Europe, Chris Stapleton e Sturgill Simpson, além de ter produzido a trilha sonora da mais recente versão de "Nasce Uma Estrela", com Lady Gaga. O jornal Washington Post logo alçou a alcunha de "novo fenômeno da guitarra" para Marcus.




A banda também é conhecida por suas incessantes e incansáveis turnês, sendo que a última delas (de "Carolina Confessions") contou com 140 apresentações em 2019, muitas delas com ingressos esgotados, além de algumas aparições em programas de TV. Agora no começo de 2020, Marcus King lançou seu primeiro trabalho solo, "El Dorado",com produção de Dan Auerbach, vocalista e guitarrista do The Black Keys, que também compôs as músicas junto a Marcus (com a colaboração de outros nomes). Aqui o guitarrista e cantor aposta num som um pouco mais voltado para o blues em si, com pitadas de country e southern rock. Só a dobradinha de abertura com "Young Man’s Dream" e "The Well" já ganham o ouvinte na primeira audição...



Faça um favor aos seus ouvidos e procure a discografia deste grande músico que com apenas 23 anos soa como um veterano e com certeza vai ser reconhecido muito em breve como um dos grandes nomes do blues e do rock mundialmente. É apenas questão de tempo...


Rush: 40 anos do clássico Permanent Waves



O Rush talvez seja o power trio mais famoso da história do rock. Se não o mais famoso, pelo menos é o de maior sucesso comercial, com certeza. E o mais interessante: sem nunca ter feito concessões, nem se vendido ou se tornado comercial. Seu grande êxito se deu graças à sua extremamente fiel legião de fãs espalhada ao redor do mundo, inclusive dentro do próprio meio musical, tudo muito bem demonstrado no documentário "Beyond the Lighted Stage". Você que é fã do trio se lembra de como foi seu primeiro contato com o som do grupo?

Com certeza, para a grande maioria dos fãs brasileiros na casa dos trinta e poucos anos, o primeiro contato, mesmo que extremamente involuntário, aconteceu com a infame vinheta com que a Rede Globo anunciava o início de cada episódio da série "MacGyver" (aqui, "Profissão: Perigo"), onde se ouviam os acordes iniciais da antológica "Tom Sawyer" - abertura aliás que nada tinha a ver com a original norte-americana, muito menos a canção do Rush.




Fora essa experiência citada, lembro-me que meu primeiro contato de verdade com alguma música dos canadenses se deu na casa do grande amigo Giuliano Tiburzio (que se tornaria vocalista e baixista do Recordando o Vale das Maçãs). Ele tinha em suas mãos duas fitas cassetes que seu professor de contrabaixo havia lhe gravado, contendo os álbuns "Permanent Waves" e "Moving Pictures". Lembro exatamente que a primeira música que ouvi foi "The Spirit Of Radio", e enquanto tentava assimilar o que ouvia, Giuliano dizia "esses caras são criativos demais...". Para o moleque que na época só ouvia Queen, Van Halen, Iron Maiden e Scorpions, aquele som parecia meio difícil de digerir - tantos arranjos diferentes, aquelas letras e títulos complexos, que falavam sobre livre arbítrio, a escadaria de Jacó... Mas continuei ouvindo junto ao amigo, e não demorou muito tempo até que estivesse idolatrando o grupo.

E eis que este primeiro álbum que ouvi do Rush está completando quarenta anos de seu lançamento - apesar de a historinha acima ter acontecido alguns bons anos depois... Como uma singela homenagem ao disco que me introduziu ao maravilhoso universo do grupo, venho recordar junto aos internautas faixa a faixa deste que é, sem dúvidas, um dos melhores trabalhos de sua carreira.




No final da década de 1970 o Rush se encontrava numa verdadeira encruzilhada: embora gozassem de prestígio cada vez maior, os excessos do rock progressivo eram vistos com péssimos olhos pela indústria musical e pela mídia. Mesmo tendo construído sua carreira e imagem alheios a estes fatores, o trio mesmo se demonstrava insatisfeito com os rumos que suas composições estavam tomando. Seu último trabalho, "Hemispheres", levou tanto tempo para ser composto e gravado que quase acabou ficando sem vocais, gravados meio "às pressas", após os três terem passado um tempo enorme esmerando seus arranjos intrincados.

Nessa mesma época, outro power trio ganhava cada vez mais espaço na mídia e elogios da crítica especializada, o The Police. Sua mistura de rock, ska e reggae fazia muito sucesso, e os canadenses não passaram incólumes ao seu sucesso - Neil Peart mais assumidamente, dizia-se grande fã. Assim, "Permanente Waves", produzido pelo então fiel escudeiro Terry Brown, mostra exatamente o período de transição entre o rock progressivo setentista e o som influenciado pelo new wave que viria a ser demonstrado pelo Rush nos trabalhos pós "Moving Picutres". Aliás, o som apresentando nestes dois álbuns de 1980 e 1981 é uma mistura tida por muitos como a melhor fase do grupo.




Logo na abertura, a excepcional "The Spirit Of Radio" que, após a ótima introdução na guitarra de Alex Lifeson, traz algumas dobradas de baixo e guitarra de tirar o fôlego, sempre acompanhados pela bateria indefectível de Neil Peart. Em seu andamento, percebemos uma canção de astral elevado, uma levada empolgante, variações de ritmos (com direito até a uma passagem reggae antes do solo de guitarra, citando claramente o The Police). Até hoje é presença obrigatória nos shows do trio, e continua como uma de suas melhores composições.

A segunda faixa é nada mais nada menos que "Freewill", tema de arranjos intrincados, com mais uma belíssima letra composta por Peart, que fala sobre o livre arbítrio e a liberdade de escolhas das pessoas ("se você escolher não se decidir, ainda assim fez uma escolha"). O momento mais festejado pelos fãs nas apresentações ao vivo deste tema fica por conta do solo, onde os três músicos praticamente solam ao mesmo tempo. Outra presença obrigatória até hoje em seus shows.




Encerrando o lado A do vinil, vinha "Jacob's Ladder", que com seus mais de sete minutos mostra o trio retomando as origens de rock progressivo. Após o clima criado na introdução com Geddy Lee passeando pelos teclados e cantando em um tom mais sombrio, temos Lifeson dando um show nas guitarras com seus riffs e solos, até que a música volta aos teclados (com Lee agora no Moog) e Neil Peart tocando os mais diversos itens da enorme percussão que rodeava sua bateria.

Virando o disco, "Entre Nous" é mais uma grande canção que fala sobre relações pessoais e as diferenças entre as pessoas. Uma boa introdução, com o Moog sempre presente de Lee entre os arpeggios de Lifeson e a bateria de Peart. O refrão com belos acordes no violão de 12 cordas demonstra toda a versatilidade e criatividade de Lifeson no período - uma ótima versão ao vivo está contida no CD e DVD "Snakes and Arrows Live". A subestimada "Different Strings" é a música mais calma e intimista do álbum, merecendo uma audição mais cuidadosa para apreciá-la - muitos fãs costumam pular este tema, pois queriam ver o trio "descendo a lenha".




Encerrando tudo, temos a fantástica "Natural Science", com certeza a faixa mais progressiva e a que mais lembra o Rush dos álbuns anteriores a este. Dividida em três temas diferentes ("Tide Pools", "Hyperspace" e "Permanent Waves", de onde saiu o título do disco), o trio aqui despeja toda a sua energia e fecha com chave de ouro este trabalho marcante, que caiu nas graças do grande público, abrindo mais espaço na mídia para os canadenses, ficando entre os dez álbuns mais vendidos da Billboard naquele ano e ganhando disco de platina pela RIAA (órgão norte-americano responsável pelas gravadoras). Foi "top ten" também no Reino Unido e em diversos outros países mundo afora.

Absolutamente indispensável aos fãs de boa música, sua audição hoje se torna uma bela homenagem ao desde já saudoso Neil Peart.




Rush - Permanent Waves

1. The Spirit of Radio 4:57
2. Freewill 5:23
3. Jacob's Ladder 7:28
4. Entre Nous 4:37
5. Different Strings 3:49
6. Natural Science 9:16
- Tide Pools 2:21
- Hyperspace 2:47
- Permanent Waves 4:08

Produzido por Rush e Terry Brown

Geddy Lee: Baixo, sintetizador polifônico Oberheim, sintetizador OB-1, Mini Moog, pedais Taurus, vocais.

Alex Lifeson: Guitarras e violões de 6 e 12 cordas, pedais Taurus.

Neil Peart: Bateria, tímpanos, timbales, sinos de orquestra, sinos tubulares, carrilhão, sinos, triângulo, crótalos.

Hugh Syme: Teclado em "Different Strings"; capa e direção de arte

Neil Peart: "Deus" voltou pro céu...





"Suddenly, you were gone
From all the lives you left your mark upon"


Antes de começar o texto em homenagem a um de meus maiores heróis na história da música, uma breve explicação para o título, para evitar qualquer mal entendido: trata-se de uma brincadeira pessoal, sempre comentava desde adolescente que se um dia Deus viesse à Terra e montasse uma banda de rock, ela seria o Rush e Ele seria Neil Peart.

E através desta breve explicação você leitor já deve perceber o quanto esse cara significava para quem está lhe escrevendo agora: longe de ser apenas mais um baterista, a perfeição e complexidade dos arranjos percussivos do Professor (como foi chamado diversas vezes por Geddy Lee), aliado ao seu perfil culto e sua vida pessoal e personalidade reservada criaram esta aura de um ser fora do comum habitando entre nós - embora ele mesmo sempre fosse humilde o bastante para jamais se deixar levar para os caminhos sem volta do ego inflado.




A humildade era tanta que o cara que já era considerado perfeito (quem nunca ouviu a história de que ele conseguia segurar uma moeda na parede batendo com as baquetas nela?) achou que precisava de aulas e podia melhorar quando a banda retornou no começo deste século, após superar as tragédias pessoais inenarráveis de perder a filha e a esposa em um curto espaço de tempo:  

- "O que é um mestre senão um estudante? É preciso aprimorar e explorar as possibilidades em sua profissão. Estou nessa posição e certamente não a subestimo. Consegui ser um baterista profissional. Consequentemente, há a responsabilidade de me dedicar a isso o tempo todo, mesmo quando não estou em turnê. Preciso me manter em forma. É uma alegria e sou grato por isso”




Apelidado de "novato" pelos colegas de banda por ter entrado quando o trio formado pelos amigos de infância Geddy Lee e Alex Lifeson já existia, Neil Ellwood Peart era o famoso ponto fora da curva: mal sabiam eles, mas o baterista mudou os rumos do Rush. Não apenas tocando, mas também escrevendo. E escrevendo letras maravilhosas, que versavam sobre o que você imaginar: ficção científica, carros, personagens literários, história, filosofia, a fama, o tempo... Era apaixonado por livros e sua inspiração parecia sem fim, não apenas para elaborar arranjos inimitáveis nas baquetas, mas também para escrever o que o amigo Lee cantaria. Alguns exemplos:

"Ao crescer, vemos que tudo é parcial
As opiniões, todas prontas
O futuro, pré-decidido
Avulso e subdividido
Na zona de produção em massa
Não há lugar para o sonhador
Ou para o deslocado, tão solitário"

("Subdivisions", 1982, do álbum "Signals")


"Rápidos para julgar
Rápidos para se irritar
Lentos para entender
Ignorância e preconceito e medo
Caminham de mãos dadas"

("Witch Hunt", 1981, do álbum "Moving Pictures")



"Se você escolher não se decidir
Você também fez uma escolha"

("Freewill", 1980, do álbum "Permanent Waves")



"Não, sua mente não está para alugar
Para nenhum deus ou governo
Sempre esperançoso, embora descontente
Ele sabe que as mudanças não são permanentes
Mas a mudança sim"

("Tom Sawyer", 1981, do álbum "Moving Pictures")

Introspectivo, tinha tiradas geniais sobre o assédio dos fãs: costumava dizer para quem quisesse ouvir que se sentia desconfortável tocando em casa (Toronto, no Canadá), pois sempre surgiam do nada os famosos aproveitadores se dizendo "amigos de velha data" querendo favores como ingresso ou acesso ao backstage. Falava também que não sabia lidar com fãs, afinal eram pessoas que não conhecia e não achava certo alguém vir tirar sua liberdade num jantar em um restaurante para tirar uma foto junto a ele - para quem não sabe, "Limelight", uma das mais famosas canções do Rush, fala justamente sobre essa aversão ao mundo midiático da fama.




Tive o imenso prazer de ver o Rush ao vivo nas duas vezes em que visitaram nosso país. E inúmeras  vezes de ver e rever minha coleção de shows e ouvir nos álbunsas maravilhas que o trio mais perfeito da história do rock gravou. Assim, mesmo que o reservado Neil pudesse achar estranho, ele fez sim parte do cotidiano de milhões de pessoas que na sexta-feira dia 10 de janeiro choraram juntos como se tivessem perdido um familiar ou um amigo íntimo. Desculpa cara, mas você mudou a vida de muita gente. E muito obrigado não só por isso, mas por todos estes anos de excelência, integridade, bom gosto e tudo mais que você nos proporcionou... A Jam Session aí no outro plano ganhou um reforço de peso...

Vai em paz, Professor! E, mais uma vez, MUITO OBRIGADO!









Os 50 anos da bíblia "Deep Purple In Rock"

Embora só tenha conhecido de fato o sucesso em 1970, o Deep Purple já tinha uma boa história pra contar. Formado em 1966, o quinteto tra...