Você que é fã de Beatles, ou de boa música em geral, com
certeza conhece “Something”, a belíssima composição de George Harrison que faz
parte do álbum “Abbey Road”, segundo Frank Sinatra, “a mais bela canção de amor
já escrita”. E quem conhece a carreira de Eric Clapton também com certeza tem
“Layla” entre suas músicas favoritas (aliás, a favorita de muitos, inclusive
deste que vos escreve). Mas você leitor sabia que ambas as canções foram
escritas em homenagem a uma mesma mulher?
Patricia Anne Boyd, ou Pattie Boyd como é mais conhecida,
era modelo na Inglaterra nos anos 1960, quando foi convidada a ser figurante em
um filme dos Beatles, “A Hard Day’s Night” (1964). Lá conheceu e se envolveu
com George Harrison, com quem se casaria em janeiro de 1966.
Pouco tempo depois, Eric Clapton ficou amigo de George. Um
tanto quanto tímido e deslocado, Clapton se sentiu a vontade na presença do
Beatle e a afinidade entre ambos foi muito grande desde então. Eric tocava com
o bluesman John Mayall, foi chamado de “Deus” em uma pichação, mas iria se
tornar um superstar mesmo com o estouro do Cream, o Power trio que montou junto
a Ginger Baker e Jack Bruce. A amizade com George o levou a gravar um solo de
guitarra antológico na maravilhosa “While My Guitar Gently Weeps”, do álbum
homônimo dos Beatles de 1968 (mais conhecido como “Álbum Branco”).
O que ninguém esperava, porém, era que Clapton iria se
apaixonar pela esposa de um de seus melhores amigos. Cabe aqui ressaltar que o
final da década foi um tanto quanto conturbada para ele: o Cream acabou, seu
avô (que o criou como filho, já que ele não conheceu o pai) havia falecido, e a
depressão o levou a afundar nas drogas. Parecia que a luz que poderia salvá-lo
seria a figura angelical de Pattie Boyd.
Com George viajando bastante e ainda muito atarefado com
compromissos musicais, foi questão de tempo até que Eric finalmente criasse
coragem e se declarasse para Pattie. Clapton teria em uma noite conseguido
convencê-la a dormir com ele, mas foi algo que deveria ter durado apenas aquela
noite. Dias depois, em uma festa, Eric chamou-a para conversar. Abriu seu
coração e disse que estava completamente apaixonado por ela, queria que ela se
separasse de George para que pudessem se casar. No momento de indecisão de
Pattie, George surge do nada na festa. Completamente irritado, mal olha para os
dois, apenas se vira e pergunta para a esposa se ela iria com ele para casa ou
não. Pattie foi.
Eric ficou arrasado. Não queria magoar o amigo, mas não
conseguia se ver livre da obsessão pela garota. Visando respirar novos ares,
monta o novo projeto Derek and the Dominos, partido para Miami para gravar um
álbum que contaria com a participação do grande Duane Allman. Mas Pattie não
saía de seus pensamentos. Tanto que o álbum “Layla and Other Assorted Love
Songs” (1970) é uma declaração de amor a ela. Em “Bell Bottom Blues” ele
implora: “Você quer me ver arrastando pelo chão por você?/Você quer me ver te
implorando para voltar?”. Já em “Layla”, a letra da música inteira deixa
extravasar a paixão. De modo a disfarçar, muda o nome da garota na canção
inspirado em um livro árabe chamado “A História de Layla e Manjun”, que narrava
justamente uma história de amor não correspondido.
Quando o álbum fica pronto, Eric pega uma cópia e chama
Pattie ao seu apartamento para ouvir em primeira mão. Era sua última cartada
para tentar conquistar de vez o seu amor. Pattie fica emocionada e sem
palavras, mas vai embora dizendo que não poderia abandonar seu casamento... Mesmo
com o sucesso do álbum, Clapton se afunda de vez nas drogas e bebidas.
Especula-se que a belíssima “Isn’t It a Pity?” de George Harrison teria sido
uma resposta ao amigo, tanto quanto servia de desabafo ao tumultuado fim dos
Beatles. A canção foi lançada no álbum “All Things Must Pass”, também de 1970.
O casamento de George e Pattie ia de mal a pior.
Infidelidade de ambos os lados (George ainda tinha muitas groupies, Pattie se
envolveu com Ron Wood), muitas drogas usadas por ambos, e um clima insuportável
levaram a união a terminar em 1974. Não demorou até que ela e Clapton
começassem a ter alguns encontros amorosos. E no final da década, em 1979, os
dois finalmente se casaram. Era para ter sido o momento de maior felicidade na
vida do deus da guitarra, mas foi muito longe disso...
O ambiente era praticamente o mesmo do casamento anterior de
Pattie: drogas, bebidas, traições, muitas brigas... tanto que o casamento
acabou na segunda metade da década seguinte. Embora ela admita que tenha usado
drogas e bebidas em ambos os casamentos, nunca se tornou uma viciada, ao
contrário do que ocorreu com os músicos. Clapton em especial só conseguiu se
livrar de vez dos maus hábitos após o falecimento de seu filho Connor, de 4
anos de idade (que o inspirou a compor "Tears In Heaven"), filho de um relacionamento do guitarrista com a italiana Lory
Del Santo – segundo relatos, ambos já estavam envolvidos antes mesmo do
divórcio se consumar.
E embora tudo isso tenha ocorrido, George e Eric permaneceram amigos até o fim. George certa vez teria dito a Eric que "preferia que Pattie ficasse com ele, pois sabia que era um amigo e que ele cuidaria bem dela".
Dois ótimos documentários onde a história é relatada são os biográficos "Living In The Material World", dirigido pelo genial Martin Scorcese, sobre George Harrison, e "Life in 12 Bars", de Lili Fini Zanucki, sobre Eric Clapton. Imperdíveis biografias sobre dois músicos espetaculares!
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